domingo, 24 de janeiro de 2010

A Ficção Científica é conservadora?


A ficção científica é um género mais sobre o presente do que sobre o futuro. Nele se imprimem as angústias e os ideais da contemporaneidade, mesmo de forma inconsciente. Os filmes de sci-fi ficam datados de uma forma mais rápida que o normal, precisamente por estarem tão de acordo com uma ideia pontual de futuro. Isto é compreensível. O que já não é tão óbvio é o cinema de ficção científica expressar tão claramente uma vontade de regressão ao deparar-se com uma evolução tecnológica "errada", fora dos parâmetros naturais ou alegadamente desumanizante. Desde as distopias às histórias de mundos alienígenas, há no final um anseio por um passado perdido, na maior parte das vezes por culpa da tecnologia, que invadiu e degradou parte daquilo que nos faz humanos.
A ficção científica é sobretudo um género conservador.
Desde Metropolis passando por Alphaville, até Minority Report, quase todos os filmes chegam à conclusão, grosso modo, que a tecnologia avançou "demais". É claro que isto é prova suficiente que a ficção científica não é sobre o futuro, por mais bem concebido que ele esteja, mas um aviso à progressão da nossa maneira de viver contemporânea. Mas não é de estranhar que os filmes de ficção científica não exaltem o futuro de uma forma positiva? Não há um meio termo entre distopia e fantasias do género Star Wars?
Para complicar mais a questão, nos últimos tempos têm surgido alguns filmes que jogam com a ideia de um planeta sem seres humanos: Children of Men, The Road, 2012, e isto não só no cinema. Há um sentido generalizado de futuro destruído, com ou sem apocalipse, pós-humano mesmo. Isto tanto pode querer significar uma vontade enorme de nos transcendermos, fartos dos nossos corpos frágeis, como pode significar também, e mais concretamente, a desilusão de um mundo pós 11 de Setembro, pós-crise económica, sem nenhum futuro por que ansiar. Ou então o começar de uma consciencialização que não somos especiais neste planeta, fazemos parte de um ecossistema perecível, mas que continuará sem nós.

É interessante verificar a quantidade de filmes que termina com planos da Natureza, como se fosse mais preciosa e poderosa que a tecnologia, imortal mesmo, algo sólido a que podemos recorrer, mas paradoxalmente futurista.
Em Blade Runner (a primeira versão, 1982) de Ridley Scott, apesar de no final Deckard aceitar a humanidade e o amor de um andróide/replicant, algo progressivo e progressista, o filme termina com a fuga de Deckard e Rachael num automóvel futurista por planícies de vegetação e depois montanhas nevadas - a Natureza como Éden perdido e ao mesmo tempo a única coisa capaz de ultrapassar os efeitos visuais da mais pura ficção científica.
Também Minority Report (2002) de Steven Spielberg parece mimetizar este efeito na última cena, ao colocar os pre-cogs numa casa de campo, lendo e meditando enquanto passamos para um plano cada vez mais afastado de uma paisagem marítima, num tom muito contrastante com o resto do filme. (Há mesmo uma cena a meio do filme, numa estufa, em que a Natureza "é" ficção científica).



Em THX-1138 (1971), a obra-prima de George Lucas, o personagem principal interpretado por Robert Duvall tenta escapar desesperadamente de um mundo branco distópico em que a identidade é um número e o objectivo é consumir. A saída no final de uma escada é um deserto ao pôr do sol... a tábua rasa.
O último filme de James Cameron, Avatar, é o último de inúmeros exemplos deste tipo de ficção científica "conservadora"/regressiva: Jake Sully, o personagem principal, renega a própria tecnologia que o permitiu chegar ao mundo maravilhoso dos Na'vi. Mas com uma pequena grande diferença, Sully renega a utilidade de qualquer tecnologia, bem como de religião, e acredita na desmultiplicação do ser pela natureza que o rodeia. "Não há nada do nosso mundo que os Na'vi queiram", é dito no filme. A Natureza é, ao mesmo tempo milhões de anos antiga e futurista e conecta-nos a todos literalmente, e por isso mesmo, transpira sabedoria. Mas mesmo assim, não deixa de ser uma ideia regressiva.





O único filme de ficção científica que, na minha opinião, anseia verdadeiramente e de forma incondicional pelo nosso futuro como espécie é 2001: Odisseia no Espaço (1968) de Stanley Kubrick, uma das obras mais notáveis de todos os tempos, não só do cinema. Kubrick critica a humanidade de uma forma elegante e inteligente, mas dá-nos o fascínio e a certeza do futuro. Para além de orquestrado, o futuro irá mudar o que somos de uma forma supra-tecnológica que abrirá a porta a uma sabedoria pós-humana.

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