quinta-feira, 3 de junho de 2010

How To Destroy Angels

Trent Reznor gosta de drama. E dos media. Gosta de significados e de criar uma narrativa, principalmente se for uma história em que ele é a personagem mais importante. Disse que os Nine Inch Nails iam acabar, mas depois já não. Deu à última tour, em 2009, o nome "Wave Goodbye". Disse até que os Nine Inch Nails iam deixar de fazer performances ao vivo, ou pelo menos da mesma maneira. Colocou à venda no e-bay boa parte dos instrumentos musicais históricos da banda e outra parafernália, e parecia que os NIN eram História.
Pelo menos era a mensagem que Trent Reznor queria passar. Só que para quem acompanha este homem há algum tempo, sabe que apesar de ser anti-sistema, Trent Reznor é um músico nato e um businessman engenhoso, com uma panca para o drama.
É claro que os NIN não vão acabar, nem daqui a 10 anos. Nem sequer depois da criação do seu novo projecto, How to Destroy Angels.
Trent estava a guardar a surpresa para nova viragem na carreira e o lançamento de nova banda e novo EP na net. HDA junta Trent Reznor a Atticus Ross, o colaborador de estúdio dos últimos 4 álbuns dos NIN, e Mariqueen Maandig, ex-vocalista dos West Indian Girl e recente esposa de Reznor.
A verdade é que os NIN tal como estavam não estavam a evoluir para lado algum, e Trent sabe-o. Este projecto parece uma pausa-para-pensar de um projecto de uma vida inteira que são os NIN. Pelo menos agora ninguém pode acusá-lo de não ser prolífico.

O resultado não é completamente satisfatório. A sonoridade é ainda quase tudo Nine Inch Nails, mas a introdução de uma voz feminina é algo completamente novo e uma boa surpresa. As músicas incluem as típicas distorções e as batidas repetitivas, decadentes mas potentes. A estrutura do álbum segue o modelo de álbuns anteriores dos NIN, inclusivamente na faixa final, um requiem do género Hurt, algo que Trent repete de álbum para álbum.
Os HDA ainda não têm uma identidade.
Mas o problema com este EP dos HDA não tem nada a ver com nenhuma destas coisas - é o mesmo problema dos últimos álbuns de NIN, e portanto o problema é Trent Reznor, que é apenas uma sombra do Trent Reznor da obra anterior. A energia esgotou-se e a fórmula instalou-se. Nada de novo.
O vídeo de Spaces in Between é, no entanto, bastante intenso e uma grande mudança de estilo relativamente a videos anteriores dos NIN.

EP grátis para download aqui.

ANBB



O novo projecto ANBB junta Blixa Bargeld (dos Einsturzende Neubauten) e o génio do microbeat, Alva Noto. O EP que resulta da colaboração chama-se Ret Marut Handshake e sai a 21 de Junho. São dois dos meus autores favoritos, portanto não pode desapontar.
Aproveito para fazer publicidade à minha loja de discos favorita e provavelmente a única em Lisboa que deverá comercializar este EP: a Flur. O álbum que se segue chama-se Mimikry.

domingo, 24 de janeiro de 2010

A Ficção Científica é conservadora?


A ficção científica é um género mais sobre o presente do que sobre o futuro. Nele se imprimem as angústias e os ideais da contemporaneidade, mesmo de forma inconsciente. Os filmes de sci-fi ficam datados de uma forma mais rápida que o normal, precisamente por estarem tão de acordo com uma ideia pontual de futuro. Isto é compreensível. O que já não é tão óbvio é o cinema de ficção científica expressar tão claramente uma vontade de regressão ao deparar-se com uma evolução tecnológica "errada", fora dos parâmetros naturais ou alegadamente desumanizante. Desde as distopias às histórias de mundos alienígenas, há no final um anseio por um passado perdido, na maior parte das vezes por culpa da tecnologia, que invadiu e degradou parte daquilo que nos faz humanos.
A ficção científica é sobretudo um género conservador.
Desde Metropolis passando por Alphaville, até Minority Report, quase todos os filmes chegam à conclusão, grosso modo, que a tecnologia avançou "demais". É claro que isto é prova suficiente que a ficção científica não é sobre o futuro, por mais bem concebido que ele esteja, mas um aviso à progressão da nossa maneira de viver contemporânea. Mas não é de estranhar que os filmes de ficção científica não exaltem o futuro de uma forma positiva? Não há um meio termo entre distopia e fantasias do género Star Wars?
Para complicar mais a questão, nos últimos tempos têm surgido alguns filmes que jogam com a ideia de um planeta sem seres humanos: Children of Men, The Road, 2012, e isto não só no cinema. Há um sentido generalizado de futuro destruído, com ou sem apocalipse, pós-humano mesmo. Isto tanto pode querer significar uma vontade enorme de nos transcendermos, fartos dos nossos corpos frágeis, como pode significar também, e mais concretamente, a desilusão de um mundo pós 11 de Setembro, pós-crise económica, sem nenhum futuro por que ansiar. Ou então o começar de uma consciencialização que não somos especiais neste planeta, fazemos parte de um ecossistema perecível, mas que continuará sem nós.

É interessante verificar a quantidade de filmes que termina com planos da Natureza, como se fosse mais preciosa e poderosa que a tecnologia, imortal mesmo, algo sólido a que podemos recorrer, mas paradoxalmente futurista.
Em Blade Runner (a primeira versão, 1982) de Ridley Scott, apesar de no final Deckard aceitar a humanidade e o amor de um andróide/replicant, algo progressivo e progressista, o filme termina com a fuga de Deckard e Rachael num automóvel futurista por planícies de vegetação e depois montanhas nevadas - a Natureza como Éden perdido e ao mesmo tempo a única coisa capaz de ultrapassar os efeitos visuais da mais pura ficção científica.
Também Minority Report (2002) de Steven Spielberg parece mimetizar este efeito na última cena, ao colocar os pre-cogs numa casa de campo, lendo e meditando enquanto passamos para um plano cada vez mais afastado de uma paisagem marítima, num tom muito contrastante com o resto do filme. (Há mesmo uma cena a meio do filme, numa estufa, em que a Natureza "é" ficção científica).



Em THX-1138 (1971), a obra-prima de George Lucas, o personagem principal interpretado por Robert Duvall tenta escapar desesperadamente de um mundo branco distópico em que a identidade é um número e o objectivo é consumir. A saída no final de uma escada é um deserto ao pôr do sol... a tábua rasa.
O último filme de James Cameron, Avatar, é o último de inúmeros exemplos deste tipo de ficção científica "conservadora"/regressiva: Jake Sully, o personagem principal, renega a própria tecnologia que o permitiu chegar ao mundo maravilhoso dos Na'vi. Mas com uma pequena grande diferença, Sully renega a utilidade de qualquer tecnologia, bem como de religião, e acredita na desmultiplicação do ser pela natureza que o rodeia. "Não há nada do nosso mundo que os Na'vi queiram", é dito no filme. A Natureza é, ao mesmo tempo milhões de anos antiga e futurista e conecta-nos a todos literalmente, e por isso mesmo, transpira sabedoria. Mas mesmo assim, não deixa de ser uma ideia regressiva.





O único filme de ficção científica que, na minha opinião, anseia verdadeiramente e de forma incondicional pelo nosso futuro como espécie é 2001: Odisseia no Espaço (1968) de Stanley Kubrick, uma das obras mais notáveis de todos os tempos, não só do cinema. Kubrick critica a humanidade de uma forma elegante e inteligente, mas dá-nos o fascínio e a certeza do futuro. Para além de orquestrado, o futuro irá mudar o que somos de uma forma supra-tecnológica que abrirá a porta a uma sabedoria pós-humana.

Ensaio: Orson Welles / F For Fake