sábado, 21 de novembro de 2009

Quando a Pop quer ser Clássica (VI)

Para terminar a minha selecção de músicos que trabalham nos limites da música popular e clássica, posso referir ainda os exemplos das óperas criadas por grupos como os The Knife ("Darwin"), Nico Muhly (veio dia 5 de Novembro a Lisboa oferecer-nos um grande concerto), o fascínio de Jonny Greenwood dos Radiohead pela tradição clássica do século XX (principalmente Penderecki, Ligeti e Arvo Part) na banda sonora de There Will Be Blood, e os discos avant-garde dos Sonic Youth - SYR4 (Goodbye Twentieth Century) e SYR5 (Olive's Horn), que nos levam a territórios da música improvisada, John Cage, Steve Reich e Cornelius Cardew.
Existem ainda os exemplos bem conhecidos de Faust e Frank Zappa, mas não tenho autoridade para falar sobre nenhum deles.


Steve Reich

Numa entrevista ao Ípsilon de 30 de Outubro semana, Steve Reich fala precisamente sobre este tema:

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A transversalidade entre a cultura musical popular e erudita sempre foi natural para Reich, que gosta de lembrar o carácter intemporal desta relação. "Se voltarmos atrás na história verificamos que quase todos os grandes compositores clássicos usaram fontes populares. Na Idade Média e no Renascimento, compositores como Dufay e Josquin Desprez recorreram à melodia de ‘L'homme armé', uma canção muito popular na época, como a base para a composição de missas", explica. "No barroco, Bach e tantos outros inspiraram-se em formas de dança [gavotte, sarabande, giga, etc.], Beethoven usou melodias populares na Sexta Sinfonia [canta] e Stravinsky recorreu a materiais da música folclórica russa na Sagração, em Petrouska ou o Pássaro de Fogo. Ele negou mas estava a mentir!", exclama por entre uma gargalhada. "É impossível separar a vertente erudita de Bartók da música dos camponeses húngaros e veja-se o caso Kurt Weill e da música de cabaret ou a relação de Aaron Copland com o jazz", refere. "A influência da cultura popular é comum a quase todos os músicos desde a Idade Média. Um dos que não fez essa escolha foi Schoenberg mas estava errado! Todos sabemos que a música popular não é música clássica. Usa instrumentos e técnicas diferentes e nem costuma usar notação, mas tal como Alban Berg disse uma vez a Gershwin: ‘Música é música!'"
Sublinha que as várias músicas fazem parte do nosso mundo e podem aprender umas com as outras.
"Muitos DJs hoje e pessoas da Dance Music vão buscar coisas à minha obra, às peças dos anos 60 e 70. Quer dizer que aprendem como ela da mesma forma que eu aprendo a ouvir Miles Davis e John Coltrane."
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Steve Reich apresentou o seu trabalho em Lisboa, no CCB, a 1 de Novembro – um concerto memorável.


A separação entre música popular e música clássica faz cada vez menos sentido actualmente. As próprias classificações não nos parecem correctas nem actualizadas - a música experimental de Laurie Anderson é classificada de música popular, da mesma forma que o industrial de Einsturzende Neubauten e o hip-hop de Jay-Z.
Paralelamente, a música clássica estilhaçou-se no século XX, a começar em Schoenberg e a acabar em Cage e Steve Reich - música clássica ela não é, erudita muito menos.
Nas contínuas e cada vez maiores contaminações entre música clássica e popular, as fronteiras esbateram-se e tornaram-se inseguras (tornaram-se até contraproducentes).
Talvez possamos falar apenas em tradições - tradições sonoras.
No mundo da informação imediata, é possível ouvir com a mesma facilidade o antigo e o moderno. Um músico ou um melómano que oiça com os ouvidos de hoje não pensa no passado propriamente em tempo sequencial, mas como um conjunto de sons à espera de serem re-interpretados e misturados.
A tradição já não é o que era.





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